segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Corinthians minha vida

Ontem eu acordei desnorteado. Tinha dormido pouco e isso não foi resultado da tequila do dia anterior. Nem de ressaca eu acordei, e olha que foram algumas doses cavalares.

Não tinha, porém, acordado preocupado. Nesses 17 anos acompanhando o Corinthians com fidelidade religiosa, já vi o Timão sair de situações parecidas. Em 97, por exemplo, nos safamos nas duas últimas rodadas, vencendo Goiás e Flamengo. A base daquele time seria campeão brasileiro nos dois anos seguintes, mas o ano de 1997 (eita número desgraçado esse!) estava lá, marcado na nossa história. Achei que depois daquilo, o Corinthians nunca mais teria um time tão feio quanto aquele, mas esse time veio.

Em 2006 também passamos por poucas e boas com o Coringão. Depois de sermos campeões em 2005, em um campeonato para lá de contestado, vimos o rebaixamento assombrar o Timão, mas não tal qual vimos neste ano. É costume do corinthiano, sofrer até a última gota de suor e lágrima. Nós temos a sina que segue clubes como o Botafogo, a de que tudo que ganhamos tem de ser com uma dor que trará um prazer maior ainda, onde o peso de um título é o mesmo que o de escapar do rebaixamento. Nesses 17 anos eu sofri com derrotas dolorosas para o Palmeiras, sofri com um tabu contra o São Paulo, sofri quando ganhamos o Mundial de Clubes - o penâlti perdido pelo Marcelinho quase arranca o coração deste que vos escreve. Sofri quando perdemos o primeiro jogo para o Atlético Mineiro em 1999, sofri até sei lá, os trinta minutos, quando o Edilson furou a zaga estilo Fort Knox do Cruzeiro e tocou a bola para o fundo da rede depois de passar pela muralha chamada Dida. Sofri até com o título do Brasileiro de 2005, quando os motivos para comemorar eram poucos e nebulosos. Na vitória e na derrota nós gritamos forte.

Mas ontem foi muito mais difícil. Porque não era só cair por conta do time ser ruim. Se as coisas estivessem normais no Corinthians, eu hoje pediria que jogadores como Gustavo Nery, Hiran, Heverton com H, Clodoaldo, Fábio Ferreira, Bruno Octávio (famoso como "o jogador de condomínio), enfim, a maior parte do escrete corinthiano, fossem esfolados e deixados ao sol na Marginal Pinheiros, à espera dos urubus, capivaras, poluição, enfim, toda a sorte de desgraças que podem se abater a quem passe a menos de 5 km pela Marginal. Foi mais difícil porque a nossa "diretoria", sábia como a maioria dos diretores de clube no Brasil, aqueles mesmos que aceitam uma final de campeonato na Fonte Nova, largaram o clube às moscas para encherem seus bolsos com o patrimônio de 30 milhões de corinthianos. 30 milhões! A gente fica daqui deste lado do Atlântico admirando o Barcelona, a história de nunca ter patrocínio no manto sagrado, de viver do torcedor e que tais, e esquecemos que o mundo não é feito só de palmas, e que essas palmas não vão copiar um modelo vencedor e, acima de tudo, de uma probidade ímpar, porque o amor da torcida é quem comanda o clube. O dinheiro estampado na camisa do Barcelona é o rosto de cada torcedor que lota o Camp Nou, que compra sua amada camisa na loja do Barcelona, que adquire ingressos para um campeonato inteiro e não precisa ficar sujeito a ver um cambista comprando dez, quinze, sei lá quanto ingressos em cinco minutos enquanto ele, o pobre torcedor, passou duas horas no sol para conseguir a muito custo comprar um só.

Está difícil até dar uma lógica para esse texto. Hoje eu acordei pior do que ontem. Ainda com esperança, como sempre, mas um pouco reduzida, machucada, àquela esperança que temos pelas coisas que amamos e que queremos bem. Eu sei que o Corinthians não acaba hoje, nem no ano que vem contra o Vila Nova. Sei que o Corinthians nunca vai acabar, e que eu poderei sempre contar histórias que eu vi, como o título Brasileiro de 1990, onde eu realmente descobri que ser corinthiano era algo que transcendia qualquer coisas que eu já tinha visto antes e que já vi até hoje. E contar histórias que não vi, como a invasão corinthiana de 76 ou o título paulista de 77. Mas o que fizeram com o Corinthians desde 1910 para cá é algo que não se faz com o pior dos inimigos. Talvez isso seja a graça do futebol, que da desordem venha a nascer um amor incondicional que faz com que relevemos algumas coisas, que dê essa aura romântica de ver no caos brotar algo tão lindo quanto a relação que os corinthianos têm com o clube do coração. Mas uma hora isso acaba por nos cansar, e os resultados que o descaso produz estão aí, para que os corinthianos vejam e para que os outros torcedores tripudiem. Essa é a lógica do nosso esporte bretão, aquele que costumava ter o Corinthians figurando entre os primeiros, tal qual diz nosso hino.

A queda de ontem foi pior porque ninguém ligou para o Corinthians. Ninguém se preocupou com o torcedor, ninguém enfiou a bola embaixo do braço como fazia o Neto, meu primeiro grande ídolo no futebol, e chamou o controle da situação para si. Lembro que ficava maravilhado de ser aquele jogador gordinho e fumante pegar a bola, ajeitar ela e mandar para o fundo das redes. E olha que o Jacenir era ruim pra diabo. Na queda de ontem, tirando poucos como Felipe (um monstro que poderia fazer história no Timão se não tivessemos o metódo Colônia-Metrópole no comércio de jogadores de futebol) e Betão (limitado mas corinthianíssimo), não deu para ver o sofrimento da derrota naqueles jogadores. Porque o time entrou todo apático e, obviamente, sentiria com apatia o baque de perder a pior partida da história do Timão.

A queda de ontem foi pior porque nossa antiga diretoria é grotesca, amadora, incompetente e a nova ainda tem muito serviço para mostrar.

Ontem eu vi até uma flamenguista sofrendo pelo Timão. Vi que, apesar da chance ímpar de se tirar um sarro, o futebol do país chorou como um todo enquanto nós choravámos por todos. Foi duro, foi triste, mas bola para frente. Vamos rumo a um título inédito e a uma identificação maior ainda do torcedor corinthiano com o clube. Porque somos um bando de loucos, loucos por ti Corinthians.