quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Sobre o tempo

Esse negócio de flertar é como a maçonaria; meia dúzia de pessoas sabem como fazer perfeitamente, vão com o alvo já definido e acertam o diabo de uma agulha em um palheiro do tamanho da China. O resto do mundo sempre pára na Muralha.

Eu tentei uma vez entrar nesse seleto grupo de pessoas que ainda falam sânscrito. Sintam o cheiro do fracasso:

- Oi...

É, um "oi" com reticências, coisa de gente que sabe o que faz.

- Oi!

Puta merda, com exclamação! Peido pesa?

- Er... hum... bem, tava ali tomando uma cerveja e... enfim, você vem sempre aqui?

Súbito ela se levantou e sumiu. "Você vem sempre aqui"? Qual era o próximo passo, falar sobre o tempo?

Enfim, é algo que meia dúzia de pessoas sabem fazer e eu já disse isso. Um dos grandes problemas que eu enfrento no xaveco, na conversa dde várzea, é justamente esse negócio de ser repetitivo. Quando eu tentei pela segunda vez, depois de ter estudado sobre o assunto, o resultado foi algo proximo disso:

- Oi!

Com exclamação, bom garoto, exclamação!

- Oi?

Merda, tinha que perguntar? E agora?

- Então, estamos aqui, eu cá, você aí...

Muito bom, tenho senso de direção. Se ela precisar de um GPS, vai me ligar.

- E?

Porra, outra pergunta? Quem diabos ela pensa que é? A Marília Gabriela?

- E... enfim... você vem sempre aqui?

Se o fracasso tivesse ações na Bolsa de Valores, eu seria um megainvestidor no nível do George Soros.

- Tchau?

Ela perguntou ou estou forçando o texto? Não quis ficar para perguntar, ia acabar falando sobre o tempo mesmo.

Acabei por desistir dessa história de tentar me relacionar com alguém iniciando uma conversa. Gosto dos Stones mas nunca tocaria como eles, então por que insistir? Tive sorte em outras vezes, onde eu era o abordado e o tempo, meu tema de mestrado, área onde eu sou PhD, só aparecia na hora de ir embora. Non duco, ducor.

Até hoje, quando tive vontade de tentar mais uma vez. Levantei três vezes da mesa, o garçom já achando que eu ia sair sem pagar a conta. Quando ele via que eu voltava para a mesa, se aquietava. "Amanhã ela estará aqui de novo", pensei. Errado, claro, porque o único alcóolatra que vai ao recinto todo santo dia, e nos dias santos também, sou eu.

Depois de sabe-se lá quantas cervejas, resolvi ir para casa dormir. Na ressaca seguinte, uma figura me pareceu familiar na televisão, apresentando a previsão do tempo. Era ela, demonstrando que esse negócio de flerte é para quem conhece quando a frente fria virá da Argentina. E eu, infelizmente, estava nublado um dia antes.